16 de janeiro de 2008

No ato da criação

Um autor desesperado por não conseguir inspiração percebeu que ao observar o cotidiano, seria capaz de descobrir partes que poderiam integrar um futuro personagem. E assim ele foi ao encontro das partes...
Com sua filha, no circo, percebeu os lindos braços do palhaço. O palhaço era triste, o circo era triste, já não tinha a mesma luz de quando ele tinha seus 15 anos. Na verdade, o palhaço chorava, as crianças nem percebiam, porque um cachorro mordia seu pé e isso sim era engraçado. Mas os braços! Os braços do palhaço pareciam asas, eram grandes, batiam palmas não só com as mãos, eram a parte mais alegre e feliz daquele humilde e simples homenzinho.
Pronto! Já temos um braço...
Falta nos... Que pernas! O autor olhava as pernas da recepcionista da padaria. Meu Deus! Como podia... Todos os dias ia à padaria, tomava seu habitual café, fumava um cigarro na porta e dava adeus à todas as moças. Mas nunca havia reparado que aquela mulher, que aparentava uns 50 anos, tinha as pernas mais maravilhosas do mundo. Eram pernas dispostas, longas e bastante animadas; não combinavam em nada com o sorriso cansado e tímido que tinha. Eram pernas também alegres, eram pernas capazes de tudo que podia imaginar.
Pronto! Já temos um braço e uma perna.
O autor sorriu. Assim ele já tinha duas partes interessantes e importantes. O personagem já estava tomando contorno, já até podia andar...
Triste! Já podia andar e: andou. Atravessou correndo a rua e como num piscar de olhos, estava esticado no chão, atropelado e morto. Mais um fim... Mais uma vez o autor dormiu com lágrimas no rosto, traído pela própria inspiração.