3 de novembro de 2008

A Coda perfeita e iluminada de um fotógrafo

“Procurando bem todo mundo tem pereba [...] Só a bailarina que não tem”. Em 1982 Chico Buarque e Edu Lobo descobriram que as bailarinas são os únicos seres perfeitos no mundo. Mas Marcos Camargo, em seu filme de estréia Coda, parece discordar dessa concepção. As bailarinas angustiadas do curta-metragem são símbolos ideais de um sofrimento silencioso, de um caos interno.
Iniciado pela frase de Nietzsche, que diz ser preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina, Coda já indica a direção de nosso olhar. A belíssima fotografia da cena inicial, em que uma bailarina anda por uma avenida vazia durante a noite, serve-nos como direcionamento, parecendo dizer que realmente o externo às personagens não é o importante para Marcos. E esse externo é perfeitamente agradável, florido, desenhado e calmo.
Usando as técnicas de pixlation e light-paiting, o diretor que estréia, escancara o dom que tem: a fotografia. Fotógrafo de diversos filmes, como “O Cheiro do Ralo” e “A Via Láctea”, Marcos aposta no dom, envolvendo-o à animação. E a escolha por produzir em stop-motion parece ser a mais correta, visto que, o andar das bailarinas transmite a leveza e a pureza com que vivem e são vistas.
Com uma equipe muito harmônica, o curta têm êxito no figurino, na maquiagem e na iluminação. São três bailarinas tristes, uma de preto, outra de vermelho e outra de rosa. As três choram maquiagem. As três enlouqueceram. Vivem o caos. Cada uma em uma força natural: água, fogo e ar.
À primeira vista o filme pode parecer extremamente complexo, mas na verdade, é de uma simplicidade e sensibilidade maravilhosas. O diretor consegue de forma exitosa levar ao espectador a angústia das bailarinas que encontrarão no suicídio a única forma de cessar o sofrimento.
Os desenhos feitos com uma lanterna enfeitam as figuras angelicais, que inteligentemente foi a escolha de Camargo. Não há figura mais pura que as bailarinas, e nesse sentido, ele parece concordar com Chico e Edu: as bailarinas são perfeitas. Mas Coda, em 2008, enxerga além, e vê que para tanto equilíbrio externo há de ter um desequilíbrio interno.
Coda significa o término de uma música. E esse é só mais um dos tantos símbolos que o diretor usou para compor essa coda. O curta é gigante em seus 9 minutos.
Nos últimos momentos, Marcos completa a frase do filósofo alemão e diz que é preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina, à água um peixe bailarina e ao fogo uma chama bailarina. Enfim, de acordo com Coda, é preciso ter o caos para experimentar o “equilíbrio” de uma bailarina.

Crítica feita por mim para a Oficina de Crítica Cinematográfica do Festival Primeiro Plano de Juiz de Fora e Mercocidades.