24 de abril de 2009

noites de frio

Esse frio. Esse inverno que vem chegando sorrateiro me deixa cada dia mais estranho...


Ontem um velho fez ginástica. Eram 6 da tarde e o velho não conseguia sequer levantar os braços na altura do ombro. Ele saiu da sala de exercícios, e preocupado, resolveu andar um pouco. Não foi trabalhar de ônibus, nem de táxi. Carro ele não tinha, era meio duro.
Duro mesmo só o bolso. Quando a noite chegava, seu corpo abria as portas para a frigidez e a fragilidade. Era um minúsculo inseto.
Resolver andar não lhe fez muito bem, ele percebeu que sua perna esquerda era infinitamente maior que a direita. Seu corpo pesava para o lado da perna curtinha. Sua barriga havia crescido terrivelmente. Seu corpo já não pesava aqueles esbeltos 70 kilos.
A idade havia chegado. E junto com ela as amarguras da indisposição.
Aquele jovem senhor, que há um ano antes fazia 20 anos, já chegava aos seus 85 e necessitava de uma bengala. A tosse grossa, provocada pelo cigarro, era corrente em seus dias. O hálito parecia sempre exalar café morno. A pele oleosa dera lugar a uma casca morta e sem cor. Ainda não morrera. Vivia seus últimos momentos.
Momentos de movimentos bruscos e grosseiros. Sua boca se mexia para reclamar. Suas mãos só sabiam dizer não. Seu corpo todo demonstrava a imensa apatia que sentia pelos outros. Tudo, e todos irritavam-lhe de maneira e cruel e calada. Tudo lhe era agressivo. Tudo, repulsivamente, habitual.
Os hábitos do velho mudaram. Transar, só pela manhã. Jantar, apenas nos dias de sopa. Leituras, somente as mais densas e tristes.
E à procura da tristeza, aquele homem comprou, no dia da ginástica, 4 biografias de artistas famosos. Famosos que viviam o ostracismo, como ele. Porque ele já foi homem viril, homem falado, homem importante. Já escreveu para jornal, já encontrou artistas, já recebeu convites. Agora vive de migalhas de vidas alheias, para quem sabe, relevar suas maiores agonias.
Aquela ânsia em conhecer o mundo cedeu lugar ao sonho de um caixão preto. Como aquele da funerária perto da catedral. Andou, algumas vezes, admirando os detalhes que queria para sua última casa. Deveria ser negro, com pequenos desenhos na lateral, a tampa lisa. Sem janelinhas, não há mais interesse em contemplações. E o buraco não pode ser no chão. Nada de terra por cima da caixa. Gaveta.
E as suas gavetas, sempre lhe foram o bem mais precioso. Guardara bilhetes, revistas, livros e discos. À sete chaves, reservava o que, um dia, lhe dera tesão.
Não haveria suicídio. Morte natural, morte morrida. Ele sabia, o corpo já não suportava tanto peso. E para conferir e, possivelmente, calcular o resto que lhe sobrava, o velho resolveu olhar-se no espelho.
Um choque.
O velho olhou-se no espelho e eu me vi refletido.
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...mas, ainda bem que minhas tardes são intensas.