27 de abril de 2009

O grande voo de um peixe grande: Mariana Aydar

"Peixes, pássaros, pessoas
Nos aquários, nas gaiolas,
Pelas salas e sacadas
Afogados no destino
De morrer como decoração das casas"

(Nenung - trecho de "Peixes")

Ouvi: Não gostei. Ouvi: Não gostei. Ouvi: Gostei. Ouvi: Amei. Ouvi...Ouvi...Ouvi.

A capa do novo cd de Mariana Aydar, Peixes Pássaros Pessoas, me causou tamanho impacto que impulsivamente decidi não gostar de tal lançamento. Errei. Errei feio.
O lindo cd de Mariana, produzido por Duani e Kassin, integra essa menina de 29 anos às grandes cantoras da nova geração.
As belas significações e metáforas usadas durante todo o disco, já se iniciam pela capa. Extremamente coerente com toda a estrutura do disco, a fotografia, remete à uma "luxuosa decadência", na qual Mariana, com o corpo coberto do que poderia ser musgos e ouros, está à frente de estruturas metálicas que lembram grandes carros alegóricos em desmanche.
Segundo a cantora, o cd surgiu do desejo de "mostrar outra maneira de pensar o mundo." E esse anseio é absolutamente inteligente e bem resolvido. A proposta se mostra cheia de brilhantismo durante todas as 13 faixas inéditas.
Um cavaquinho, um belo violão e uma deliciosa percussão abrem o cd, com a canção "Florindo" de Duani, compositor que assina 7 faixas. Kavita, o codinome poético de Mariana Aydar, assina a segunda música, "Palavras não falam", que discute o processo criativo num ritmo jazzístico com levada semelhante à "Deixa o verão"(sucesso do disco de estréia, Kavita1). Kavita ainda assina "Aqui em casa" em parceria com Duani, e "Tudo que eu trago no bolso", em parceria com o amigo artista plástico Nuno Ramos.
Nuno ainda se apresenta bom letrista na faixa "Manhã Azul", uma emocionante música ("Quem foi que botou a chuva dentro dos meus olhos? / Qual foi a luz da luz do Sol que secou e me fez ver?") que lembra bastante os arranjos da velha guarda do samba. Assim também em "Poderoso rei", "Teu amor é falso" e "O samba me persegue", todas de Duani. Nessa última, Mariana divide os vocais com o veterano Zeca Pagodinho, numa canção que faz reverência ao samba, não só na letra mas nos backings de uma velha guarda que fecha a faixa e nos característicos instrumentos.
O baião também se apresentou nesse novo trabalho da cantora paulista. A faixa "Tá?", assinada por Carlos Rennó, Pedro Luís e Roberta Sá, traz um som metálico e moderno, desenhado com interferências eletrônicas. Em "Beleza", de Luisa Maita e Rodrigo Campos, a participação da cabo-verdeana Mayra Andrade colabora para o charme e a sensualidade da canção.
"Pras bandas de lá" é a faixa que a cantora mais gosta, afirmando ser "uma música quase autobiográfica, que fala muito de um sentimento que eu tenho de largar tudo pra lá e procurar um lugar tranqüilo." A faixa é atrativa e possivelmente uma boa sacada comercial.
Os pontos altos de "Peixes Pássaros Pessoas" está em duas músicas excepcionalmente boas, bem construídas e de letras ímpares. "Nada disso é pra você", de Romulo Froés e China, retrata uma mulher segura e confiante o bastante para terminar uma relação, coerente com a posição de Mariana, segura e com uma belíssima interpretação acompanhada de guitarra, bateria e piano. A segurança foi tanta que até a mistura instrumental atingiu sucesso.
Não foi por acaso que Mariana Aydar deu tal título ao segundo disco. "Peixes", composição do gaúcho Nenung, é infinitamente delicada e interessante. Peixes, pássaros e pessoas são semelhantes, segundo a canção, numa crítica à condição humana, numa crítica às demagogias e hipocrisias, num tratado de guerra aos silêncios indevidos e às verborragias desnecessárias. Diversos instrumentos se mesclam a fim de resultar numa harmonia desconcertante. Risos e gritos são envolvidos num clima tenso, como uma passeata. O berro final sela a tempestade que Mariana desperta.
E Caetano Veloso, no texto de apresentação do cd, corrobora essa idéia. Caê percebe a novidade que tantos anunciam e defendem fazer, na humilde e frágil Mariana Aydar.
Essa revelação, como anunciado no VMB, mostra todo seu talento e preocupação em gerar um trabalho coerente, moderno e envolvido com as mazelas sociais atuais. Mariana se apresenta com coragem e ousadia.
O mar tá pra peixe, pro lado da Mariana.
Voa menina. Voa!