11 de junho de 2009

Adélia, não

Adélia hoje acordou suando frio, estava nervosa e chorava feito uma criança. Aquela jovial senhora, de cabelos longos e brancos, pernas finas e cheias de sardas, havia sonhado com o marido que a deixara há duas semanas.
Chovia. Chovia muito. Chovia dentro dela e escorriam enormes gotas pela janela do quarto. Aquele cômodo era de um azul tão morno que nem parecia pertencer à casa. Mas Adélia, a donadélia, não se importava com as cores, haviam dias em que ela saía com uma blusa vermelha surrada, uma saia rosa e meias marrons, e nem ligava. Haviam momentos em que ela não olhava a casa e andava como se estivesse na estação.
A noite estava estranha. Sonhara que o marido esperava-a na borda da cama, com as mãos esticadas e um largo sorriso no rosto. Tremia de medo. Ainda não havia aprendido a fazer torta de maçã, nem conseguia mexer no computador da neta, ainda não havia sequer aprendido a dirigir. Ainda não havia vivido.
E foi aí que ele resolveu buscá-la. Adélia não se importava com as coisas, não se banhava para dormir, não se penteava ao acordar, e nem se depilou para a lua de mel. Adélia era mulher de nãos. Nãos fazeres.
Não adiantava chorar. Não adiantava chover. A casa ruía, o granizo, agora, quebrava a telha dilacerando seu peito. Não adiantava viver. Era apenas um gesto no movimento arrasador.
(inspirada na música "Chuva" de Paulo Leminski e Luciana Souza, do CD "Tide" de Luciana Souza)