16 de setembro de 2009

Não pensava em lavrar sua terra

Ontem peguei na enxada pela primeira vez. Minhas mãos macias e meu corpo franzino sentiram logo o peso e a dor do trabalho. A cada batida no chão, minhas pernas tremiam, meu pulso enrijecia e eu parecia não existir. O sol estava quente, o céu sem nuvens e minhas costas, depois de longas horas expostas ao tempo, explodia em bolhas largas e úmidas. Eu estava vermelho, de raiva e de sol. Eu estava seco. Minha sede era semelhante a dos meus antigos cães, que ao verem seus potes tratavam logo de dar cabo daquilo tudo. Já não conseguia pensar, comecei a me concentrar no ato banal. Banal para mim, mas não para o dono. Já no fim do dia, quando o céu tomava cores mais frias e o azul era bem mais escuro eu me deparei com as minhas mãos. Só me deparei, porque não as sentia mais, eram como a carne que horas depois eu viria a comer, era sangue, como o vinho que ele viria a tomar e eu a me deliciar com a cena. Minha coluna ardia em dor, ficar em pé era poucos e eu começava a me ajeitar sobre minhas pernas e braços. Eu estava sujo, imundo e banho era coisa rara. Meu cheiro era um misto de vinagre, terra e mijo. Minhas funções já se tornaram sem funções. Minha disfunção era repleta de ódio e amargura.
Hoje eu me olhei no espelho. Não me reconheci. Lógico. Eu nunca pensei em arar sua terra, em plantar em seu terreno, em frutificar a sua vida. Eu agora era infecundo.
Um estorvo em casa, sentado no sofá, tomando café, fumando um cigarro e lendo Guimarães Rosa. Um estorvo no conforto da casa.