Ontem peguei na enxada pela primeira vez. Minhas mãos macias e meu corpo franzino sentiram logo o peso e a dor do trabalho. A cada batida no chão, minhas pernas tremiam, meu pulso enrijecia e eu parecia não existir. O sol estava quente, o céu sem nuvens e minhas costas, depois de longas horas expostas ao tempo, explodia em bolhas largas e úmidas. Eu estava vermelho, de raiva e de sol. Eu estava seco. Minha sede era semelhante a dos meus antigos cães, que ao verem seus potes tratavam logo de dar cabo daquilo tudo. Já não conseguia pensar, comecei a me concentrar no ato banal. Banal para mim, mas não para o dono. Já no fim do dia, quando o céu tomava cores mais frias e o azul era bem mais escuro eu me deparei com as minhas mãos. Só me deparei, porque não as sentia mais, eram como a carne que horas depois eu viria a comer, era sangue, como o vinho que ele viria a tomar e eu a me deliciar com a cena. Minha coluna ardia em dor, ficar em pé era poucos e eu começava a me ajeitar sobre minhas pernas e braços. Eu estava sujo, imundo e banho era coisa rara. Meu cheiro era um misto de vinagre, terra e mijo. Minhas funções já se tornaram sem funções. Minha disfunção era repleta de ódio e amargura.
Hoje eu me olhei no espelho. Não me reconheci. Lógico. Eu nunca pensei em arar sua terra, em plantar em seu terreno, em frutificar a sua vida. Eu agora era infecundo.
Um estorvo em casa, sentado no sofá, tomando café, fumando um cigarro e lendo Guimarães Rosa. Um estorvo no conforto da casa.
Hoje eu me olhei no espelho. Não me reconheci. Lógico. Eu nunca pensei em arar sua terra, em plantar em seu terreno, em frutificar a sua vida. Eu agora era infecundo.
Um estorvo em casa, sentado no sofá, tomando café, fumando um cigarro e lendo Guimarães Rosa. Um estorvo no conforto da casa.