16 de novembro de 2009

Apagar-se

Apagou. Apagou, Maria.
Logo para ela que de tão arrogante, não aguentava sequer o marido desligar o interruptor, nem a empregada salgar a mais, nem as filhas pintarem a boca. Era dessas que apagava as luzes conforme seu próprio desejo. E tudo era palco para seu fracassado passeio pelo teatro. As luzes só se apagavam quando seus olhos fechavam e o corpo relaxava de uma tarde sofridamente vivida numa clínica branca e verde claro.
Gostava de amarelo, daqueles latejantes que dispendem enrgia do outro para ser visto. Gostava também, de andar com uma lanterninha no bolso. Em caso de ir ao teatro e querer saber quem fez a cenografia: usa sua lanterninha; um show, para descobrir o título da canção: lanterninha; para achar um comprimido no porta-luvas: lanterninha... em caso de falta de...
- Não. É problema de infânica, confessa a mãe.
Quando Maria completou 3 anos, os pais resolveram passar a virada do ano no prédio da tia, em Copacabana. Fato é que todos subiram para o terraço e deixaram a criança dormindo no berço. Fogos, gritos e brindes. Maria acordou. Acordou no escuro e não comemorou, chorou lárgimas de 2 horas initerruptas.
Desde então, Maria estudou (com o abajur ligado), formou-se (neons e brilhos), casou-se (igrejas com velas acesas) e transou de luz acesa... Maria ganhou dinheiro e acredita iluminar a vida dos outros. Acredita errado.
Tão errada é Maria, que agora a força acabou. A luz apagou e ela, como um feto sobre a cama, dormiu com lágrimas nos olhos, para acordar sem medos, ou para não acordar jamais.