2 de dezembro de 2009

Sala de Espera

A sala estava à meia-luz e o cheiro era uma mistura de alfazema com álcool. Estranho. Equanto esperava tentava identificar tudo que lhe era familiar. Olhou para o lado e comentou como que em alto pensamento:
- Como demora, não é mesmo?!
A senhora que a ladeava, única a dividir-lhe o espaço, em tom triste, soltou seu resmungado:
- Ih! Minha fia, eu num me importo de esperá aqui não. O probrema é não pôde levá prá casa.
A mulher, altiva em seu penteado feito há pouco, engoliu à seco e continuou olhando para porta, esperando aquele jovem, que mal parecia enfermeiro, chamar nome por nome.

O silêncio, doloroso, fazia-a concentrar nos mínimos detalhes que a circundavam. Olhou para o lado e deu um sorriso amarelo para a velha magricela e esbranquicada, que devia ter empalidacido com o tempo. E havia muito tempo na vida daquela pobrezinha. Já não se usava colete cor da pele, muito menos xale de lã com fio para agulha 3,5. Os sapatos, rotos e sujos não a incomodavam, mas a simples presença daquela humilde senhorinha lhe agoniava.
Tentando conter as lágrimas que lhe sufocava o peito, e como num repentino estado de desespero perguntou, olhando para a frente:
- É seu marido?
A senhora não respondeu, mas sorriu e enxugou uma lágrima que escorreu por seu trincado rosto. A mulher, angustiada pelo enorme tempo de atraso, continuou:
- Mamãe que está aqui. Na verdade, estava. Mamãe já se foi há semanas... Venho ver seu corpo, apenas. Já estou até acostumando. Coma é assim mesmo, não é?!
- É sufrido minha fia. É sufrido dimais da conta. Essa esperação aqui é até boa. Pelu meno a gente fica pertim, num é?!
A senhora, velha como uma flor guardada entre páginas de um livro, abaixou a cabeça, enfiou a mão na bolsa preta com paetês rosas e tirou de lá um enorme terço com contas de madeira escura. Iniciou uma reza silenciosa, só identificada pelo mexer dos lábios quase sem carne.

Estava sozinha. A senhora rezava e a mulher sozinha. Decidiu abir um antigo livro que guardava na pasta para eventuais esperas. Iniciou a leitura, e depois de uns 20 ou 30 minutos ouviu o abrir da porta principal. O rapaz chamou-a pelo nome da mãe e imediatamente ela já estava chegando ao leito. Demorou-se pouco, havia marcado um jantar com o marido e não poderia atrasar-se, encontros assim não aconteciam desde a chegada do filho mais novo.
Ao sair, notou a permanência da senhora no mesmo banco de espera. Acenou com as mãos trêmulas pela dor de ver a mãe em tal estado e saiu.
Lá pelas tantas, um enfermeiro do 9º andar veio buscar a velha, que ainda rezava entre cochilos e risos. De cabelos brancos num coque muito bem feito, ela foi andando para sua cama, na ala 905 dedicada ao psicóticos.