16 de dezembro de 2009

Sobre ventos

Venta forte. Venta forte, Joaquim. Tira a cara daí, Joaquim. Tá ventando. Ventando forte.

Continuava com a cara esticada na janela, olhando o nada que lhe fazia tanto sentido.
Logo que chegara, ainda com lágrimas nos olhos, Joaquim pediu a benção do pai e correu para o quarto. O quarto era pintado com um azul que se assemelhava, e muito, com o céu, pedido feito há 10 anos, quando o menino ainda sonhava em ser astronauta. Os carrinhos, os bonecos e os livros, compunham um espaço dividido entre a infantilidade e a maturidade. O quarto de Joaquim ficava bem ao lado do banheiro, de onde saiam os cheiros fétidos das entradas freqüentes da avó. Logo à frente, o quarto do pai e ao lado do quarto paterno, o recanto da princesa da família: a irmã.
A casa de Joaquim, limpa e exageradamente escura, cheirava à alfazema que a avó despejava pela casa em borrifadas selvagens, evidenciando ainda mais o desligamento da realidade. O taco, preto pelo envelhecimento e pelas sombras que se espalham pelos cômodos, cria um certo desconforto em quem chega pela primeira vez. A escolha pela imbúia se faz absurda na biblioteca, onde o pai guarda obras que leu desde que aprendeu a ler, há cerca de 50 anos.
O quarto da menina, uma revolucionária de casa e de fora de casa, descortina um universo alheio à família, repleto de vermelho e muito verde. As plantas, carinho herdado da falecida mãe, se espalham por prateleiras e assoalho. O vermelho em quadros e roupas é uma referência direta aos grandes artistas que seguiram o vermelho como expressão maior. Luisa era o vermelho, diante do pretume que a cercava. Luisa era o vermelho que faiscava na rua deserta de uma cidade sem luz. Luisa era o vermelho e não se dava conta do quanto coloria.
E Joaquim chorava. Chorava pelos coloridos que esbranquiçavam em dor.
Ao voltar do enterro de Luisa. Ao despedir-se da irmã, que enfim resolveu revolucionar ao máximo, escolhendo a hora de partir, Joaquim chorava. Chorava. Chorava. Só. Chorava.
Ao chegar em casa, Joaquim tomou a benção e foi para o quarto. Ventava e o menino, agora maior, bem maior, secava as lágrimas no vento que batia na janela. E a avó, na sua distância tão próxima suplicava-o a afastar-se da janela. Ventava. Ventava forte.