24 de maio de 2012

Com lágrimas nos olhos,

Quando você saiu pensei, de imediato, em fechar a porta. Ou apenas encostá-la, para não deixar que os vizinhos olhassem a sujeira que havia permanecido. Envergonhavam-me os cacos todos a se espalharem pela sala, papéis amassados, rasgados, escritos e desnudos de pensamentos a se revezarem no olhar que me guiava ao quarto. A cozinha, branca como desejávamos, com vasilhas e panelas pelos cantos e pratos remexidos por uma comida quase venenosa. No banheiro, a descarga que já não funcionava, não pela ausência de uma mão que a consertasse, mas pelo pudor em deixar ir os seus restos.

Quando saiu, eu senti frio. Um vento me corria as espinhas, ia por dentro, ia afundando. Talvez houvesse aí a sensação mais lasciva do congelamento. Você saiu e eu conjugando o verbo guardar, o verbo manter, o verbo ficar.

No meu rádio, já sem pilha de tanto tentar desfocar minha angústia, ouço o som da sua voz a dizer: Não tenho mais nada a te oferecer. Das janelas e das ruas escuto, como em alto-falante, você a gritar que acabou, me empurrando para longe de seu rosto, esbravejando que acabou, me olhando de rasteira e dizendo vai passar, me dizendo agora não dá mais, me insistindo, me insultando, me injuriando. Merecendo-me e me arruinando.

Quando você saiu queria eu ter saído antes. Lembro-me bem do barco que aportara em minha vida e eu, bobo, preferindo o trem. Queria não ter deixado marcas, não ter deixado rastros, não ter, sequer, manchado a folha que insistimos em fazer desenhos tolos de nossa futura casa.

***

Éramos crianças e nos entendíamos por gestos. Agora, crescidos, não sabemos falar a mesma língua. E isso é irônico. Crescemos juntos, descobrimos juntos alguns sorrisos – entre o sarcasmo e orgasmo – e, ainda, assim, não nos alimentamos.

Quando você saiu, eu também saí. E estou a vagar.