22 de fevereiro de 2010

Sala de estar

sentado

no sofá sujo, com um copo de café pela metade, Virgílio fechou o jornal e arremessou-o no canto do cômodo escuro. Impaciente, tratou logo de agachar-se no chão e amarrar bem forte os cadarços. O cheiro de sexo e o gosto de café pairavam no ar do apartamento estilo década de 70, decorado por um amigo e cheio de obras dos artistas que o rodeavam. Com um sorriso que rasgava metade da boca ficou

em pé

ao lado da mesinha de centro, depois de ter escorregado na ponta do tapete que trouxera da Espanha. O cinzeiro cheio até a beira ainda aceitava mais uma binga do cigarro que acabara de acender. Gostava de Hollywood. Conhecera todas as grandes cidades do hemisfério norte no lançamento do seu último livro. Um sucesso de vendas. Um sucesso feito num fracasso de vida. Nos últimos dias lembrava-se dos tempos de vacas magras, e, agora,

encostado

no portal pintado de branco, como todo o resto das madeiras da casa, ralando a camisa a preta, como todo o resto dos móveis, esboçava um princípio de riso. Riso nervoso, diria o editor em visita há 5 dias, cobrando mais um grande trabalho. Pensava na filha por chegar. Na casa vazia, mas cheia de oportunidades. Lembrava das corridas na beirada da praia. Das cervejas tomadas com amigos, todas as sextas e sábados. Da conta, gorda, no Banco do Brasil. Pensava nos gatos pretos, que viviam no passeio do outro lado da rua. Olhava a janela e já se afastava ainda mais da idéia e da vontade. Em passos lentos, chegou ao

corredor

e apagou o cigarro na mureta que dividia a sala e a cozinha. Continuou andando. Cantava uma música que dizia “Retrouver le bonheur qui est là. Toujours là”.

Resolveu.

Saiu pela porta de entrada. Rindo, Virgílio saiu. Algo me diz que ele tá afim de ver o sol.