10 de fevereiro de 2011

Ao fim da aula

Suando e passando as mãos no rosto, o Professor Rocha pediu licença e proferiu seu discurso:

“Gostaria de poder falar em palavras belas, construções que se referenciassem em textos clássicos ou em cultuados autores. Mas minha folha molhou. A chuva lavou o que havia projetado, mas não levou o que havia planejado. E tenho pensado, há pelo menos 10 dias, que eu deveria falar algo para a última turma a qual lecionarei.
Nunca acreditei que eu fosse me cansar. Porém, certas coisas independem de nossas vontades. Acontecem.
Gostaria de lhes contar que o mundo já não necessita dos que saibam com destreza dançar o lago dos cisnes, ou representar Hamlet com dissimulação adequada. Não. Não precisamos dos que saibam cantar Águas de Março com todas pausas nos lugares ou tocar Chopin com a eloquência medida. Não precisamos, mas se encontrarmos, melhor para nós.
O grande problema mora nas boas manifestações que já vimos disso tudo, portanto, no alto nível de nossas críticas.
O que desejamos, mesmo, de coração aberto é de reinvenções. De novas interpretações. Eu, nos meus longos anos nesse ofício, procuro em cada olhar o brilho do novo, o fascínio por descobrir. Procuro alguém faça do cisne, um hip hop com doses de samba. Do Hamlet, um boêmio incompreendido. Das Águas um bom e velho funk. Do Chopin. Ah! O Chopin. Alguém que o faça com o berimbau afinado.
Não procuro o novo, por já desacreditá-lo, mas procuro a renovação. E essa busca me faz aposentar...”

A essa altura, Cristiano, na última mesa da segunda fila da esquerda já não conseguia anotar. As lágrimas apagavam cada redonda letra escrita com pressa. E sofrimento.

Esse texto foi inspirado na apresentação de um jovem, num programa de televisão, na última quarta-feira. O garoto realizou uma releitura do Lago dos Cisnes, tradicional peça do Balé Clássico em movimentos da street dance. Ainda, pensei em minha pesquisa, que trata da crítica de arte. Minha pretensão é alcançar o fascínio que a renovação pode trazer às expressões artísticas.