16 de fevereiro de 2011

Tintas de João - Parte II

Hoje me deu um branco. Eu ligava pra a Ana Lúcia para contar dos preços de telas e, de repente, esqueci-me de tudo.
- Estranho, João, logo você que tem uma memória de elefante.
Pra quê? Eu, agora, só fazia pensar na cor cinza do elefante e na cor do esquecimento. Tenho acordado e dormido assim.
E qual seria a cor do branco de quando se esquece?
Desliguei correndo o telefone e desci para o ateliê. Comecei tentando misturar o branco gelo com o cinza da cor do elefante. Nada. Ficou escuro e o esquecimento está mais para o pálido do que para o tenso. O esquecimento pede algo ameno, delicado, infantil. A cor deve surgir da mistura das cores bebês. Azul-bebê, com rosa-bebê, com amarelo-bebê e com muito branco. Muito branco.
Corri para comprar vários tons de branco. Gelo, neve, titânio... Seu José até brincou:
- Olha, João, depois tira uma foto e me mostra essa tela branca que vai fazer. Isso é contemporâneo, hein?! – riu.
Eu já estava encantado com a imensidão que o branco trazia na paleta. Pensei, de verdade, em pintar uma tela de branco. Mas não combinaria com a euforia que eu sentia. Consegui achar um tom que se assemelhava bastante à ideia que fazia do branco do esquecer. Era um branco que se olhasse de novo acharia azul, ou cinza, ou roxo. Um branco com ares de outra cor, mas branco.
Tenho pensado que a cor do branco que todos dizem é, no fundo, o encontro de todas as cores em suas formas calmas e suaves. O branco do esquecimento seria, então, o preto numa vida de placidez.
Já eram duas da manhã e eu finalizava mais um quadro. Chamaria “das lembranças que tive perdidas”. Ou, poderia ser “ainda lembro”. Era uma tela que simulava lágrimas. Um fundo branco, invadido por uma suave linha cinza que envergava, formando um meio círculo. No meio desse desenho, pendiam dois pontos, que escorriam pela tela e preenchiam toda a parte inferior do quadro.
Não assinei. Esqueci. Aquilo estava, realmente, pronto.