27 de outubro de 2011

Cor de rosa

É o que temos para hoje. Uma Cibele de cara limpa, apenas com as unhas pintadas de rosa chá. Quase nenhuma camuflagem. Sentada em frente ao espelho pensando no que seria. Pensando como seria. Pensando o que aconteceria se não tivesse dobrado aquela esquina. Tentando acreditar no sorriso, e num outro fim, além do sorriso. Sinceramente, pensava: a vida seguirá impune aos segundos em que ficou suspensa no ar. E duvidou: a vida seguirá impune aos segundos em que ficou suspensa no ar? Segundos, apenas. Instantes nos quais os olhos de Lívio fitaram a pele cor de jambo.

Agora, se arrume.

- Vai vivê, menina. Tão bunita, tão criscida. Vai vê o dia.

Passa a maquiagem e se convence dos desatinos de seus pensamentos. Perdera toda a liberdade de escolha ao entrar à direita da rua com nome de santa. Sua vida, seus desejos, seu vigor (diria a tia), absolutamente tudo - até sua alma! - tinha sido levada com a brisa, em direção ao mar. Quem sabe alguma ressaca desse mar traga de volta, ou então, estrague a volta que espera numa profunda e estranha ansiedade. Resta a espera. Resta a lua e algumas fases. Restam as unhas roídas e os maços vazios.

Com a boca pintada de rosa fúcsia. Com os olhos pintados de rosa bebê, as bochechas levemente pintadas, as sobrancelhas sensivelmente retocadas e os cílios avolumados. Com um vestidinho bordado de casinhas e flores, exibindo a pele de sol, trancou a porta. Apertou o botão. Entrou no elevador. Acenou para o porteiro. Sentiu o cheiro da rua. O vento, que soprava da Duvivier a Bolivar, trazia todo o perfume da floricultura da esquina. Pisou a calçada com a certeza de um chefe. Andou.

Passou a Barão, a Constante. Chegou na Dias da Rocha. Agora, atravessa.

- Esse trânsito tá mesmo um inferno. Olha! As pessoas atravessam sem olhar, os carros correm sem parar. E as motos? É gente demais para espaço de menos.

Passa a casa de tintas, o bar, outro bar, uma lanchonete. Olha para dentro, nada vê. Para, insiste em olhar o interior de uma loja de molduras. Fixa os olhos num caixilho de desenhos habilmente esculpidos e oco. Num exercício raro, preenche aquele vazio. Quanto tempo levará para dançar uma valsinha, como a dos sonhos de criança? Quantos anos terá Lívio? E suas promessas? Quantos anos levarão suas promessas? Quando irá comprar o vestido? Providenciar os convites? Os doces, da festa? E o quarto, rosa bebê da linda menina?

Bastaria retornar, apenas isso e Lívio lhe traria um alívio que só os apaixonados sabem fazer existir.

Agora, olha a Raimundo Corrêa e segue.

Em passos lentos e ouvidos expostos a todos os mínimos sons.

Dobra a esquina, sorri a quem passa. Deixa o olho brilhar e olha o relógio, pela última vez. Espera. Essa noite, espera. Ingenuamente, não deixa ocorrer o mesmo da véspera. Defronte o farol, no mesmo lugar, com o corpo esguio, aflita no rosto e nas pernas, espera ele voltar.


* De autoria conjunta com Dandara Renault.