30 de setembro de 2009

Na rua, a gente vê

Ana saiu de casa, andou por toda alameda e só parou de andar depois de algumas horas. Os pés inchados descansavam sob um banco bem em frente à praia. O relógio apontava 3h de uma noite fria. Alguns raios salpicavam aquele céu que já havia lhe sorrido, quando acordou sorridente e disse a João que o amava mais que tudo. A neblina que molhava sua roupa, disfarçava as lágrimas que a essa altura já completavam todo o rosto e respingavam na gola rosada de uma blusa velha.
Não queria ser seguida, mas os olhares joviais e embriagados que voltavam para casa após as mais absurdas badalações, esses olhares lhe cercavam com um elipso e faziam de sua dor um grande espetáculo de humor. Quantas vergonhas por não ter desistido de tudo e seguido sozinha. Na solidão conseguimos estar tranqüilos, sem grandes emoções, com uma vida leve e reta, limpa de conturbadas situações. Naquela hora, o desejo era despir-se do convívio e andar pelos trilhos do braço cruzado.
Quando era criança, Ana tirou a fronha de seu miúdo travesseiro e estendeu o pequeno pano no chão. Pegou algumas poucas peças de roupa, um minúsculo urso e sua lancheira rosa com estampa, amarrou tudo e fincou numa vara de madeira. A boneca Lolipop, pegou-a, segurando pelo braço, e despediu-se dos pais. Saiu pela porta da frente, a mesma que a traria de volta aos prantos.
Seus planos nunca deram certo mesmo. Depois de muitas cervejas, de um telefone atirado no lixo e de alguns remédios prestes a chegar no estômago, regressou. Às 5, voltava para o luxo de seu apartamento. Um dois quartos na Avenida Atlântica, com uma imensa janela na sala e um belíssimo quadro de sua amiga Beatriz, aquela. O dia despertava, finalmente.
Os gatos em silêncio e a cozinha vazia. Os quartos também. E ela... Dormiu um sono fracassado, na esperança de acordar, um dia.
As coisas para Ana, sempre insistiram em não acontecer bem.