3 de novembro de 2009

Cadeira de balanço

"Não há resgate do que não aconteceu. E nada justifica o abandono. Nada" (Livia Garcia-Roza)

Júlia permanecia sentada naquela velha cadeira de balanço que colocou junto a porta da varanda. O vento batia na samambaia quase morta e Júlia segurava nas mãos um antigo diário que escrevera aos 20. Esperava. Esperava. Esperava...
No alto de seus 80, sabia muito bem que viriam lhe buscar a qualquer momento, por isso, acordava às 8, escovava os cabelos, vestia um belo vestido branco, retocava os lábios com um rosa bem claro e sentava-se balançando.
Os filhos já não se preocupavam mais com ela. Haviam crescido, e gente grande não presta atenção no silêncio. Júlia era quieta, por isso não tinha telefone. A única comunicação possível era com Madalena, uma negrinha que fazia seu almoço e varria a casa todos os dias, permanecendo ali por 4 ou 5 horas diárias.
A velha Júlia, que já fora professora na maior escola da cidade, que casara com um grande vereador e que já plantara diversas mudas de rosas no quintal, agora era só vazio. Mas não esse vazio que machuca e dilacera, era feita de um vazio cheio de paz. Aquele vazio branco.
Júlia não lia o diário, guardava-o como quem segreda os imprevistos que não deram certo, tinha-os como relíquia e prova de que nem tudo acontecera. Recostada na cadeira, dormia por horas seguidas, quando acordava, almoçava e voltava para seu recanto de vida. Lá pelas 8, quando o girassol inclinava-se para o chão, Júlia entrava, tirava os sapatos, arrumava a cama e cantava músicas dos áureos 40, até pegar no sono.
Num desses dias. Num dia qualquer. A velha sentou-se na cadeira, balançou, balançou, balançou. Júlia balançou para sempre.